
Nem nos filmes se livra da veia contestatária. Em “
Planeta 51”, Jel dá a voz ao cantor de intervenção do sítio. Numa conversa animada com a UGA, o Homem da Luta fala da primeira vez nas dobragens, das suas convicções e até dá conselhos aos universitários.
Dás a voz à personagem Glar, no “Planeta 51”… Como surgiu o convite?
Pelo telefone. Não, mentira… foi uma vez a sair do Lux que conheci o rapaz deste estúdio e ele disse: «tens que fazer não sei que e não sei que mais». Chegou o filme “Planeta 51” e parece que quando viram este personagem pensaram imediatamente em mim. E quem vir este filme percebe porquê. Disseram-me que o personagem que era a minha cara e vim fazê-lo. É um papel pequenino, mas foi um papel muito divertido.
E o personagem é mesmo a tua cara?A minha cara não, mas tem muitas semelhanças comigo. Ao “Planeta 51” chega um extraterrestre que é um humano. Depois é a reacção. Nestes filmes, a moral é sempre muito simples… é a reacção de uma sociedade a algo estranho. Depois há um contestatário, um cantor de intervenção à imagem do tipo de cantor de intervenção na América… um cantor mais hippie, de intervenção e luta… É um artista que usa a música como arma e nesse planeta as coisas acabam bem. Os bons ganham… neste “Planeta 51”.
E no planeta Terra?Neste planeta a luta continua… Vamos ver, mas não está fácil.
V
oltando ao filme. Foi a primeira vez que fizeste dobragens…
Foi e gostei muito. Tive algumas dificuldades porque ainda não tinha visto nada do filme e a coisa já existia toda… Tive que me pôr na mão da rapaziada deste estúdio, dirigido pelo José Jorge Duarte. Soltei-me e deixei que me guiassem. E
foi o que deu, mas acho que está bom. Pelo menos a gravar dei umas risadas…
"Eu sou muitos"
Falando de outros assuntos. Quem é a pessoa pôr detrás do Jel?
Jel é só um nome. Eu nasci Nuno, mas aos 15 anos os meus amigos baptizaram-me Jel e passei a ter outro nome. Daqui a uns anos podem baptizar-me de outra forma. Eu posso fugir para o meio de África e dizer que me chamo Guilherme. Nomes dão-se, não se têm. Portanto, não há ninguém por detrás do Jel.
Mas o Jel é só uma personagem…Fernando Pessoa dizia: «Eu sou muitos». Eu sou muitos e acho que todos somos muitos. Agora é a capacidade de aceitares os teus múltiplos. Eu aceito os meus múltiplos muito bem. Tenho os meus problemas, as minhas lutas, as minhas m*****, mas aceito. Aliás, eu vivo dos meus muitos, que acho que é um passo de esperteza que eu devo ter ganho em Odivelas, em alguma altura da minha adolescência.
Os Homens da Luta também vão conseguir revolucionar este país?Há uma diferença entre revolução e revolta. A revolta é algo puro, a revolução inclui querer impor outra coisa. Eu não quero impor nada. Eu sou pela coisa pura, gosto do movimento revolucionário enquanto sentimento de revolta. Tento levar a minha vida com um espírito de revolucionário, enfrentar aquilo que eu tenho medo. Acaba por ser um vício.
E daí que nasceram os Homens da Luta…De onde vêm os Homens da Luta, pergunto eu? Os Homens da Luta vêm muito detrás. Isto não tem nada a ver comigo… O meu personagem do “Planeta 51” é um homem da luta que brinca com o homem da luta da América dos anos 60, mas esse já se sentiu influenciado pelo dos anos 20 ou 30. Muitos são ligados à vida artística, renunciando à violência, usando a ironia, o sarcasmo, a música, a poesia para intervir para o bem, para denunciar o mal. Essa força nunca vai parar.
Inspiras-te em quem?Tenho muitas referências, muitos faróis… São homens e mulheres que têm uma história que admiro. Queres nomes? Zeca Afonso, Fela Kuty (um grande músico revolucionário, filho de uma activista dos direitos das mulheres em África… foi a primeira mulher africana a conduzir um carro. O nome dela era Anikulapo), Gandhi, Mick Jagger, tantos, tantos… e cada vez mais. Quanto mais tempo passa, mais eu admiro os outros artistas!
Sempre te consideraste um Homem da Luta?Sempre. Mas aquilo que eu faço é muito pouco para aquilo que é preciso ser feito. O que faço é uma gota, é uma estrela cadente que passa no céu numa noite. É um bocadinho… é preciso que se faça. Porque o que eu faço não é nada se mais ninguém fizer.
E achas que há muitos a fazê-lo?Há muitos, cada um à sua maneira, mas não violenta. Pela música, pela arte, pela escrita, não nunca violência. Esse é o ponto desta luta… pelo bem e pelos bons!
Ultimamente, tens aparecido mais no contexto político…Isso não é verdade… os políticos é que estão na minha área. Os políticos tornaram-se actores, tornaram-se homens do espectáculo e vieram invadir a minha área, a área dos artistas. Portanto aguentem-se.
Qual foi a acção que mais gostaste de fazer?A melhor é sempre a que está para vir. É um lugar-comum, mas é verdade. Nesta última que fizemos, na tomada de posse [do Governo] foi um alerta outra vez, mas começa a ser pouco. Nós agora vamos desenvolver isso. Vamos gravar um disco com todo o conceito Homens da Luta e vamos tentar concentrar mais da nossa mensagem, porque quem gosta de nós tem contacto com o que nós gostamos.
E quando sai o disco?Deve sair para Janeiro. Vamos agora para estúdio no final deste mês e temos um convidado especial, mas não posso revelar ainda quem será.
E daqui a muitos anos vão ser lembrados?Vamos. Os Homens da Luta ou quem se interessa por isto tem uma coisa que é um grande trunfo… nós sabemos perdurar a memória daqueles que gostamos. Portanto, os Homens da Luta vão durar.
Sentes que as pessoas gostam de ti?
Temos muitas reacções na rua. Muitas… E costumam ser sempre boas, de apoio, força. O tipo de fã mais assustador que temos, e já apanhei vários desses, são gajos com pinta de maus que chegam ao pé de mim, olham-me nos olhos e dizem: “Não pares, ah?” Entretanto, eu não posso parar senão esses gajos vão-me f****.
"Ser estudante é uma responsabilidade e andam esquecidos disso"
A UGA trabalha com jovens universitários. Que conselhos dás aos mais jovens que estão prestes a entrar na “vida dura”?Entrar na vida a sério? Isso é umas mentiras que pregaram aos universitários. Vão aos livros de História… Os estudantes foram importantes em muitos sítios, como Maio de 68, no 25 de Abril e não só. Também foram importantes em sítio que perderam… Isto de ser estudante não é só passar mais ou menos nas calmas e ir para as Queimas das Fitas apanhar bezanas. Ser estudante é mais do que isso… ser estudante é uma responsabilidade e andam esquecidos disso.
Há poucos Homens da Luta nas universidades?
Há… é só meninos! Não têm noção da responsabilidade que têm enquanto estudantes. Ser estudante é quando és livre para fazer o que queres e eles andam todos enganados. É preciso que alguém escreva isso. Abram os olhos… esta é a melhor altura da vossa vida. Se vocês acham que podem fazer alguma coisa para o mundo, é enquanto são novos, portanto abram a pestana, comecem a falar uns com os outros, façam amor… ser estudante é quando estás no vigor do teu corpo! O que está para vir nunca vem, é agora. O futuro é hoje!
Reportagem de
Joana Miranda