quinta-feira, 19 de novembro de 2009

UGA entrevistou o Jel


Nem nos filmes se livra da veia contestatária. Em “Planeta 51”, Jel dá a voz ao cantor de intervenção do sítio. Numa conversa animada com a UGA, o Homem da Luta fala da primeira vez nas dobragens, das suas convicções e até dá conselhos aos universitários.

Dás a voz à personagem Glar, no “Planeta 51”… Como surgiu o convite?

Pelo telefone. Não, mentira… foi uma vez a sair do Lux que conheci o rapaz deste estúdio e ele disse: «tens que fazer não sei que e não sei que mais». Chegou o filme “Planeta 51” e parece que quando viram este personagem pensaram imediatamente em mim. E quem vir este filme percebe porquê. Disseram-me que o personagem que era a minha cara e vim fazê-lo. É um papel pequenino, mas foi um papel muito divertido.

E o personagem é mesmo a tua cara?

A minha cara não, mas tem muitas semelhanças comigo. Ao “Planeta 51” chega um extraterrestre que é um humano. Depois é a reacção. Nestes filmes, a moral é sempre muito simples… é a reacção de uma sociedade a algo estranho. Depois há um contestatário, um cantor de intervenção à imagem do tipo de cantor de intervenção na América… um cantor mais hippie, de intervenção e luta… É um artista que usa a música como arma e nesse planeta as coisas acabam bem. Os bons ganham… neste “Planeta 51”.

E no planeta Terra?

Neste planeta a luta continua… Vamos ver, mas não está fácil.

Voltando ao filme. Foi a primeira vez que fizeste dobragens…

Foi e gostei muito. Tive algumas dificuldades porque ainda não tinha visto nada do filme e a coisa já existia toda… Tive que me pôr na mão da rapaziada deste estúdio, dirigido pelo José Jorge Duarte. Soltei-me e deixei que me guiassem. E
foi o que deu, mas acho que está bom. Pelo menos a gravar dei umas risadas…


"Eu sou muitos"


Falando de outros assuntos. Quem é a pessoa pôr detrás do Jel?

Jel é só um nome. Eu nasci Nuno, mas aos 15 anos os meus amigos baptizaram-me Jel e passei a ter outro nome. Daqui a uns anos podem baptizar-me de outra forma. Eu posso fugir para o meio de África e dizer que me chamo Guilherme. Nomes dão-se, não se têm. Portanto, não há ninguém por detrás do Jel.

Mas o Jel é só uma personagem…

Fernando Pessoa dizia: «Eu sou muitos». Eu sou muitos e acho que todos somos muitos. Agora é a capacidade de aceitares os teus múltiplos. Eu aceito os meus múltiplos muito bem. Tenho os meus problemas, as minhas lutas, as minhas m*****, mas aceito. Aliás, eu vivo dos meus muitos, que acho que é um passo de esperteza que eu devo ter ganho em Odivelas, em alguma altura da minha adolescência.

Os Homens da Luta também vão conseguir revolucionar este país?

Há uma diferença entre revolução e revolta. A revolta é algo puro, a revolução inclui querer impor outra coisa. Eu não quero impor nada. Eu sou pela coisa pura, gosto do movimento revolucionário enquanto sentimento de revolta. Tento levar a minha vida com um espírito de revolucionário, enfrentar aquilo que eu tenho medo. Acaba por ser um vício.

E daí que nasceram os Homens da Luta…

De onde vêm os Homens da Luta, pergunto eu? Os Homens da Luta vêm muito detrás. Isto não tem nada a ver comigo… O meu personagem do “Planeta 51” é um homem da luta que brinca com o homem da luta da América dos anos 60, mas esse já se sentiu influenciado pelo dos anos 20 ou 30. Muitos são ligados à vida artística, renunciando à violência, usando a ironia, o sarcasmo, a música, a poesia para intervir para o bem, para denunciar o mal. Essa força nunca vai parar.

Inspiras-te em quem?

Tenho muitas referências, muitos faróis… São homens e mulheres que têm uma história que admiro. Queres nomes? Zeca Afonso, Fela Kuty (um grande músico revolucionário, filho de uma activista dos direitos das mulheres em África… foi a primeira mulher africana a conduzir um carro. O nome dela era Anikulapo), Gandhi, Mick Jagger, tantos, tantos… e cada vez mais. Quanto mais tempo passa, mais eu admiro os outros artistas!

Sempre te consideraste um Homem da Luta?

Sempre. Mas aquilo que eu faço é muito pouco para aquilo que é preciso ser feito. O que faço é uma gota, é uma estrela cadente que passa no céu numa noite. É um bocadinho… é preciso que se faça. Porque o que eu faço não é nada se mais ninguém fizer.

E achas que há muitos a fazê-lo?

Há muitos, cada um à sua maneira, mas não violenta. Pela música, pela arte, pela escrita, não nunca violência. Esse é o ponto desta luta… pelo bem e pelos bons!

Ultimamente, tens aparecido mais no contexto político…

Isso não é verdade… os políticos é que estão na minha área. Os políticos tornaram-se actores, tornaram-se homens do espectáculo e vieram invadir a minha área, a área dos artistas. Portanto aguentem-se.

Qual foi a acção que mais gostaste de fazer?

A melhor é sempre a que está para vir. É um lugar-comum, mas é verdade. Nesta última que fizemos, na tomada de posse [do Governo] foi um alerta outra vez, mas começa a ser pouco. Nós agora vamos desenvolver isso. Vamos gravar um disco com todo o conceito Homens da Luta e vamos tentar concentrar mais da nossa mensagem, porque quem gosta de nós tem contacto com o que nós gostamos.

E quando sai o disco?

Deve sair para Janeiro. Vamos agora para estúdio no final deste mês e temos um convidado especial, mas não posso revelar ainda quem será.

E daqui a muitos anos vão ser lembrados?

Vamos. Os Homens da Luta ou quem se interessa por isto tem uma coisa que é um grande trunfo… nós sabemos perdurar a memória daqueles que gostamos. Portanto, os Homens da Luta vão durar.

Sentes que as pessoas gostam de ti?

Temos muitas reacções na rua. Muitas… E costumam ser sempre boas, de apoio, força. O tipo de fã mais assustador que temos, e já apanhei vários desses, são gajos com pinta de maus que chegam ao pé de mim, olham-me nos olhos e dizem: “Não pares, ah?” Entretanto, eu não posso parar senão esses gajos vão-me f****.


"Ser estudante é uma responsabilidade e andam esquecidos disso"


A UGA trabalha com jovens universitários. Que conselhos dás aos mais jovens que estão prestes a entrar na “vida dura”?

Entrar na vida a sério? Isso é umas mentiras que pregaram aos universitários. Vão aos livros de História… Os estudantes foram importantes em muitos sítios, como Maio de 68, no 25 de Abril e não só. Também foram importantes em sítio que perderam… Isto de ser estudante não é só passar mais ou menos nas calmas e ir para as Queimas das Fitas apanhar bezanas. Ser estudante é mais do que isso… ser estudante é uma responsabilidade e andam esquecidos disso.

Há poucos Homens da Luta nas universidades?

Há… é só meninos! Não têm noção da responsabilidade que têm enquanto estudantes. Ser estudante é quando és livre para fazer o que queres e eles andam todos enganados. É preciso que alguém escreva isso. Abram os olhos… esta é a melhor altura da vossa vida. Se vocês acham que podem fazer alguma coisa para o mundo, é enquanto são novos, portanto abram a pestana, comecem a falar uns com os outros, façam amor… ser estudante é quando estás no vigor do teu corpo! O que está para vir nunca vem, é agora. O futuro é hoje!


Reportagem de Joana Miranda

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