
Os Virgem Suta editaram o seu álbum de estreia no Verão do ano passado e meteram-se à estrada, numa tournée nacional que apelidaram de “Digressão pelas capelinhas do País”.
Eles são Nuno Figueiredo e Jorge Benvinda, um duo dinâmico. Tocam adufe e cavaquinho, transpiram "portugalidade" e assumem-no, aliam uma ironia que aparece a espaços, insólita, não de riso fácil, mas daquele que só é esboçado depois de se ter desconstruído a mensagem.
A UGA foi conhecê-los melhor, antes mesmo de tocarem no mítico Maxime…
•Como nasceu este projecto e de onde surgiu o nome?
Jorge Benvinda: Estávamos à procura daqueles nomes magníficos, eu lembro-me até de um fantástico que eu dei que era Aramochilante. Iam surgindo. Houve a necessidade de num festival em Gaia termos um nome para dar porque na altura tínhamos outro projecto com outro título e os diferentes elementos estavam todos indisponíveis. Um na tropa, outro a estudar para um exame e nós queríamos mesmo participar. Na verdade é que na altura chamaram-nos o Virgin Suta, os Virgem Sutra, de tudo menos o nome correcto. Parecia um nome estranho, mesmo muito estranho mas ficou no ouvido e o produtor que nos acompanhava na altura achou piada.
Nuno Figueiredo: As dúvidas dos projectos e das bandas é a necessidade de conseguir algo com algum significado e esta denominação fez-nos muito sentido.
•São apenas dois e muitos instrumentos…
J.B : Há uma adaptação progressiva. Os instrumentos foram sendo escolhidos consoante os ensaios que íamos fazendo. “Vamos experimentar desta maneira, achas que conseguimos fazer isto assim? Tás maluco pah!!”.Foi um desafio. Se nos enganarmos um bocadinho vamos rir, vamos para a frente! Não é fácil mas pode não ser tão complicado como pensamos. Por vezes até sou eu um pouco castrador mas as coisas conseguem-se concretizar e está a dar muito gozo por causa disso também.
•Como definem o vosso som?
N.F: Não sei se é pop, se é rock, seja o que for. Não é algo que me interesse muito. Vamos de facto buscar algumas coisas às raízes da música portuguesa. Os instrumentos, as sonoridades, os ritmos, até as temáticas ao nível das letras. Gostamos das histórias que o pessoal mais velho conta, atrai-nos bastante todo esse universo terra a terra. Tem de facto isso mas depois conseguimos dar-lhe alguma roupagem mais moderna e actual, prende a atenção das pessoas por essa mistura. Agora influências?! Ouvimos tanta coisa e tão diferente. Desde os tangos argentinos à música popular portuguesa. Gosto de Sérgio Godinho, de Clã, os Wilko, Radiohead…
J.B: Zeca Afonso que me fez começar a cantar. Rock pesado… Cheguei a ir ver Sepultura a Faro, Ratos do Porão. Um bocadinho por tudo, é uma fusão estranha.
•Como está o novo álbum a ser acolhido pelo público? E qual o sítio em que mais gostaram de tocar?
N. F: Recomeçámos agora em Janeiro, tocámos há duas semanas no Porto e em Santo Tirso, a receptividade tem sido incrível. É sempre uma responsabilidade grande, há algum medo mas correu bem e tem tudo para continuar porque estamos motivados para isso.
J.B: A dificuldade de ir buscar só um concerto existe porque há muitas experiências que vais tendo e todas elas muito gratificantes. Quando tocamos em casa há sempre uma festa incrível (Beja), em recepções ao caloiro, dá tudo muito gozo. Há aqueles concertos mais pequenos que têm realmente… O de Coimbra foi muito bom!
N.F: Foi o encerramento da nossa tournée de Novembro, excelente. Gostei da Covilhã, muito fixe. A de Aveiro, a do Porto… Correram quase todos bem.
•O que pensam da indústria musical actual? Downloads ilegais, perdeu-se o hábito de comprar CDs. Cada vez adquire mais importância o concerto ao vivo…
J.B: A verdade é que não está fácil, a maior parte dos CDs são caros e o poder de compra das pessoas não é muito. Actualmente onde o músico pode ganhar dinheiro é com concertos. Para a coisa funcionar é também preciso apoio. Nós estamos ligados à Universal, gostamos de toda a equipa que trabalha connosco. Gastámos algum mas eles apostaram financeiramente em nós e depois há uma serie de pequenos ganhos que o artista obtém se conseguir muitas vendas. A não ser que façamos nós o trabalho e marquemos um preço, ou até dar mas quando se entra realmente numa determinada máquina tem de se corresponder com essas regras. É o que temos estado a fazer e não há volta a dar. Na nossa forma de ver no momento.
•Têm alguma superstição ou ritual antes de entrarem em palco? Entram com o pé direito, bebem uma cerveja para descontrair…
J.B: Levamos sempre uma garrafa de vinho, tinto e alentejano… O vinho faz parte da nossa maneira de estar, da festa, não é uma coisa de bebedolas mas sim um acto solene que temos para brindar. Temos uma das canções que é “A Dança de Balcão” em que fazemos um brinde a nós, aos avós e a todos os que estão connosco. E sem vinho era difícil. Com água não se brinda, fazia falta o licoroso maravilhoso naquele palco. E a verdade é que se bebermos dois copinhos de vinho acabamos por entrar um pouco mais descontraídos do que se tivermos só a água e a chá.
•Quando nasceu o vosso gosto pela música?
N.F: Andava sempre com um rádio. Foi a minha fixação embora tenha começado a tocar mais tarde, por volta dos 18 anos mas aí já com uma vontade e uma direcção. Vê lá, só ao fim de vinte anos é que gravámos um disco, é terrível mas lá está foi um processo de maturação porque um gajo na adolescência quer tudo aquilo que ouve no momento. Só depois é que se começa a definir os caminhos por onde se vai, demora o seu tempo. Cada um faz aquilo para que tem queda para. Comigo foi assim.
J.B: Eu lembro-me ser miúdo e cantar aquelas músicas inventadas de ópera com a voz muito fininha pelo gozo. Acabei por entrar para as aulas de religião moral só para aprender a tocar guitarra porque sabia que o professor ensinava. Pedi até uma guitarra emprestada a uma amiga, acabei por parti-la mais tarde...
O meu primeiro contacto com um instrumento a sério, tocar uns acordes e melodias, brincar e fazer aquelas letras super tristes que se faz no Alentejo, começou assim…e depois há a vontade de fazer mais, de compor. Ficou mais sério, digamos, por volta dos 18 anos.
•Se não fossem músicos, o que seriam? Têm curso universitário?
J.B: Taberneiro. Já sou taberneiro por isso… Quanto ao curso interrompi o meu de Serviço Social porque achei que intervindo profissionalmente através de iniciativa privada conseguimos fazer um pouco mais pela sociedade. Espero bem que sim, creio não estar enganado.
N.F: Tenho. Exerço uma outra profissão, na Câmara Municipal de Beja como técnico. Como tal se não for isto, não sei lhe podemos chamar músico ou entertainer dos tempos vagos, era técnico.
•Esse é um ponto interessante. O músico é acima de tudo um entertainer?
N.F: Sei que nos vamos entretendo agora se entretemos alguém… temos percebido que vamos divertindo alguns, o pessoal gosta. Um músico precisa de um público, dá prazer tocar e ter gente a pagar para ver, é quase poético.
J.B: Procuramos apenas tocar com uma cadência porreira para que não haja o adormecer de música para música. Tudo o resto faz parte do decorrer do espectáculo. Precisamos sentir que estamos na corda bamba, alguma insegurança. Nunca ter uma coisa planeada como se fosse uma peça de teatro. Há quem o faça muito bem mas eu não tenho esse talento, ao pensar numa encenação perco a autenticidade e transformo-me numa outra personagem que não é a minha.
N.F: Lá está, esse lado mais virgem do nosso nome, mais cru… Para conseguirmos exagerar ou parecer esse tal artista, temos de ser naturais, se nos pusermos a meditar somos uma completa desgraça. Olha dou-te só um exemplo: Agora no Porto, no último concerto que fizemos enganei-me três vezes na música até que parei. Parámos e recomeçámos. Houve muita gente que pensou que tínhamos feito aquilo de propósito, o início todo trocado... Mas não foi nada ensaiado, aquilo de facto correu mal. As pessoas disseram-nos “Deviam fazer isso mais vezes”. Não dá porque se tentarmos novamente fazer aquilo, vai ficar uma porcaria. As coisas têm de ser mais intuitivas, descomprometidas, acima de tudo dar um bom espectáculo e divertir as pessoas.
J.B: Acho que nos vamos esforçar mais para enganar-nos!!
N.F: Acho que nos esforçamos muito é para não nos enganarmos.
•Que conselhos podem dar a quem está a começar?
N.F: Não acreditem naqueles concursos que fazem as pessoas chegar a estrelas muito rápido. Ainda não somos grande coisa mas somos um exemplo claro de quem trabalhou muito. Eu via tantas bandas, desejava fazer aquilo e a solução que encontrei até hoje foi ter uma rotina, ensaiar, não pensar que as coisas acontecem por acaso. Não nos colarmos a alguém, não é produtivo. São ideias que nós seguimos e que deram algum fruto. Há que ganhar um carácter dentro da música, definir um percurso próprio demora tempo e dá trabalho.
J.B: E a preocupação com as letras, não sou grande escritor procuro apenas contar as minhas histórias e ter o cuidado para que sejam interessantes e melódicas. Vejo as letras de outros na net e penso: “Estou tão longe disto”, questionar, ter humildade. As opiniões são muito importantes mas de pessoas válidas e sinceras nas respostas, que não estão ali para nos castrar. Confiança mas aceitar as críticas e sugestões. Fora isso, muito entusiasmo e curtir ao máximo. Ah! O investimento em material de gravação. Fazer as nossas maquetas sem estarmos dependentes de aluguer de material de estúdio, adquirir autonomia no nosso processo de criação, todo esse esforço que tens pode ser trabalhado e é mais fácil para a produção final.
•Última pergunta, o que pensam sobre o acordo ortográfico e o insucesso da Cimeira de Copenhaga? Estou a brincar, não precisam de responder…
J.B: Ha, ha… Epá, respeito quem decide. Como está, está muito bem para mim.
N.F: E para mim…
Por Pedro Varela